segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O baú proibido de Kafka- Voyeurismo



* Dois Pontos:

Franz Kafka, judeu, nascido em 1883 na cidade de Praga, Boêmia (hoje República Tcheca), então pertencente ao Império Austro-Húngaro, e morto no sanatório de Kierling, um mês antes de completar 41 anos, é um autor que está inserido no movimento dos escritores expressionistas, mas os relatos kafkianos são histórias que sonham a civilização contemporânea.

Quase desconhecido em vida, o autor de “A Metamorfose”, criou um mundo realista e absurdo. Reinventou fábulas, lendas e parábolas. Místico, ele compara a sua própria obra a “uma nova doutrina secreta, uma cabala”. O escritor era um sonhador e queria “viver dentro da verdade”. O autor de “O Castelo” concebeu a literatura como uma expedição rumo à verdade. “Eu quero que a minha literatura doa, que faça as pessoas sofrerem. Ela deve funcionar como um machado, capaz de quebrar o mar congelado que existe em cada um de nós”, afirmou.
Toda a sua obra expressa o fantástico, o estranho e a sátira, ao invés do patético. Seus livros desmistificam a organização social que se perpetua, graças a paciência dos subordinados que morrem sem imaginar seus direitos. Kafka é cômico, sarcástico, grotesco e extremamente interessante.




* A notícia:


''PARTIR DE PESQUISAS NA UNIVERSIDADE DE OXFORD E NA BIBLIOTECA BRITÂNICA, "ESCAVANDO KAFKA", DE JAMES HAWES, TENTA DESMITISFICAR A VIDA ÍNTIMA E PÚBLICA DE UM DOS PRINCIPAIS ESCRITORES DO SÉCULO 20''



Um segredo literalmente do fundo do baú, conhecido há quase um século por alguns poucos acadêmicos, veio à tona na quinta-feira passada, com a publicação, no Reino Unido, de um livro que revela a coleção de revistas eróticas de Franz Kafka (1883-1924) -um dos mais importantes escritores do século 20.
Com o objetivo declarado de desmistificar o escritor tcheco de língua alemã, a obra do pesquisador James Hawes, "Excavating Kafka" (Escavando Kafka, ed. Quercus, 272 págs., 14,99, R$ 46), também traz imagens daquelas publicações -que o Mais! reproduz nesta edição.
Segundo o autor, Kafka guardava a coleção em um baú na casa dos pais, onde vivia (e cuja chave levava quando ia viajar). Ela permaneceu durante décadas guardada na British Library (Biblioteca Britânica), em Londres, e na tradicionalíssima Bodleian, na Universidade de Oxford.
Para Hawes, é bom esquecer de vez a figura solitária, a alma torturada oprimida pelo pai e praticamente ignorada por seus contemporâneos, que anteviu o horror do Holocausto e dos gulags soviéticos.

Alienação

Kafka, nas palavras do autor do livro, era "filho de um milionário e viciado em prostitutas durante toda a sua vida adulta; um escritor apoiado por um grupo influente e que era admirado (e sabia disso) por quase todos os seus colegas escritores; um leal cidadão Habsburgo com um alto cargo estatal que esperava (e queria) que a Alemanha e a Áustria vencessem a Primeira Guerra Mundial, até o final; um homem que não tinha a menor idéia do Holocausto, assim como qualquer outro".
Com um texto tão debochado, que chega a colocar em dúvida a seriedade de sua tese, Hawes parte da coleção de revistas eróticas de Kafka para mostrar esse outro lado do autor de "A Metamorfose", "O Processo" e "O Castelo", entre outras obras fundamentais.
Formado em Oxford e mais conhecido por seus romances humorísticos (como "Speak for England", Fale Pela Inglaterra), Hawes diz que a "dica" para a coleção está disponível há pelo menos 85 anos, na primeira biografia que o mais famoso biógrafo de Kafka, seu amigo Max Brod, escreveu sobre ele.
"O mistério é por que isso permaneceu um segredo por tanto tempo. A razão por trás disso, suspeito, é que revelar a ligação de Kafka com a pornografia também conta a verdade sobre toda a sua vida literária", escreveu Hawes num artigo recente para o "The Guardian".
A explicação para esse raciocínio é que "o homem que entregava o pornô a Kafka em 1906-7 é a mesma pessoa que publicou seus textos pela primeira vez, em 1908 -e que, como juiz de um dos maiores prêmios literários de Berlim, ajeitou as coisas para que Kafka ficasse com a glória".
O homem é Franz Blei, e os textos depois foram reunidos em "Meditação".
A coleção que Kafka escondia tão bem dificilmente chocaria um adolescente em tempos de internet. A maioria das imagens é de figuras quase "artísticas", como um desenho de uma mulher de calcinha com homens-miniatura a seus pés. Algumas chegam a ser bizarras, como um sapo chupando um pênis ("Le Gourmand").
As publicações ("Ametista" e "As Opalas"), adquiridas por meio de assinatura, já lançavam uma tendência mantida até hoje pela maior parte das revistas masculinas, misturando imagens pornográficas e eróticas com textos não relacionados a sexo e, outros, sim.
Mesmo assim, ainda hoje pornografia e literatura parecem não se relacionar tranqüilamente. Em entrevista ao "The Times", Hawes contou que seu editor norte-americano relutou em publicar o material. "Não são cartões-postais safadinhos tirados na praia. Sem dúvida, são imagens pornográficas, pura e simplesmente. Há algumas bem pesadas, é bem desagradável", disse.

Retirar o entulho

Seu objetivo ao "demolir o mito" construído em torno de Kafka não é diminuir sua obra, diz Hawes (que estuda o autor desde 1982, quando viu o manuscrito original de "O Castelo"), mas permitir uma avaliação mais clara de seu trabalho.
"Com o entulho retirado para longe, talvez finalmente nós consigamos ver o trabalho de Kafka pelo que ele realmente é -não o troço deprimido e obscuro que recebemos pós-Auschwitz dos existencialistas franceses, mas suas maravilhosas "comédias negras" ("black comedies"), escritas por um homem profundamente influenciado pelos escritos de seus predecessores e de sua própria época", afirma Hawes.


PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES


DA A FOLHA DE SAO PAULO, 2008-08-10



*Uma espiada:


O MEDO É A INFELICIDADE- FRANZ KAFKA


Que fizeste com o dom do sexo? Desperdiçaste-lo, é o que dirão finalmente, nada mais. Mas tinha sido fácil aproveitá-lo. Francamente, uma ninharia, e uma ninharia que nem sequer é perceptível, provocou a decisão. Porque te assustas? Assim ocorreu com as maiores batalhas da história universal. As ninharias decidem as ninharias.

M. tem razão: O medo é a infelicidade, mas nem por isso é a coragem a felicidade, e sim a falta de medo: não a coragem, que às vezes ambiciona o que as forças não podem (no meu curso havia talvez dois judeus que tinham coragem, e os dois se deram um tiro ainda no colégio, ou pouco depois de receber-se), quer dizer, não a coragem, mas a falta de medo, tranquila, sempre alerta, capaz de suportar tudo. Não te obrigues a nada, mas não sejas infeliz porque não te obrigas ou porque tens que obrigar-te quando queres fazer algo. E se não te obrigas, não estejas todo o tempo desejando a possibilidade de fazê-lo.

Na realidade, não é sempre tão claro, ou talvez o seja, por exemplo: o sexo persegue-me, atormenta-me noite e dia; para satisfazê-lo teria que vencer o medo e a vergonha e talvez também a tristeza, mas por outro lado é indubitável que seria capaz de aproveitar sem medo nem tristeza nem vergonha uma oportunidade que se apresentasse rápida, próxima e voluntariamente; mas então devo deduzir do anterior esta lei; não se trata de vencer o medo, etc. (nem tão pouco jogar com a ideia de vencê-los), mas antes aproveitar as oportunidades (mas não queixar-me se não se apresentam).

É verdade que existe um termo médio entre a «acção» e a "oportunidade", quer dizer, a condução, a atracção da oportunidade, atitude que por desgraça adoptei sempre, não só nisto mas em tudo. Da "lei" não se deduz nada contra esta prática, ainda que essa "atracção" das oportunidades, especialmente quando faz uso de meios inadequados, se parece bastante ao "jogo com a ideia de vencer o medo, etc.", e não tem rastros dessa tranquila e sempre alerta falta de medo. Apesar de sua concomitância verbal, com a "lei", é algo detestável e deve ser evitado incondicionalmente. Em verdade, para evitá-lo necessitaria obrigar-me, e é assim que não chego nunca ao fim do assunto."







*KAFKA VISTO POR UM PSIQUIATRA PORTUGUÊS


TODOS OS CUIDADOS SÃO POUCOS COM A VIDA ÍNTIMA DE KAFKA


(Tavira, 20/Setembro/1961) - Kafka foi celibatário, um incorrigível celibatário. «Sísifo também era solteiro» defende-se ele em determinado passo do seu Diário. E se a explicação desses misantropos está na sua misoginia, a de Kafka não teve outra origem. Não passou de um Misógino com medo às mulheres e sem coragem de se assumir; todos os casamentos se lhe frustraram e não há sinal de ligações femininas, regulares ou esporádicas, no seu «Diário» (1910-1923). A explicação dessa (de Kafka) e outras vozes do Fracasso (Fernando Pessoa, Sá Carneiro, Samuel Beckett) é sempre e apenas erótica, ou antes, a ausência de vida erótica. «Faz amor e acabam-se os problemas - eis a fórmula que na minha opinião de psiquiatra devia ser receitada a esses doentes, ensinada a todos os infelizes que se arrastam na vida sem saber o melhor que a vida tem. É a formula para Misantropos e outros desmancha-prazeres que não conseguem encontrar piada alguma neste mundo de dois sexos. Não se sabe, aliás, até onde foi Kafka nesse campo. O pudibundo do seu amigo Max Brod («odioso Max Brod» assim o classifica Georges Bataille) se alguma coisa houvesse, tê-la-ia retirado cuidadosamente, a avaliar pelo que declara no Posfácio aos «Diários» que compilou, datado de Telavive (de onde havia de ser?), 1950: «Omiti anotações que me pareciam demasiado íntimas».

Omitir anotações demasiado «íntimas» na compilação de um diário não se deve confundir com «censura prévia». Quando se trata de coisas tão desagradáveis (tanto mais desagradáveis quanto mais agradáveis) à moral corrente (que afinal decide sempre com a Igreja nestas encruzilhadas póstumas) de facto todos os cuidados são poucos

A filosofia ultra-niilista de Franz Kafka tem uma origem precisa indiscutível: a vida erótica frustrada, a sua falta de relações normais com mulheres e (não se sabe ao certo) a provável ausência de relações sexuais em geral. O «medo, a vergonha e a tristeza» impediram-no, possivelmente, de procurar esta última solução, que seria também a única saída para o Nada onde viveu e morreu. depois do Nada, só o Amor. E Kafka teve medo do sexo.

Mandam os bons costumes respeitar o biografado e não entrar em pormenores da sua vida erótica, quando há suspeitas de perversão. Se ele na obra nada deixou transparecer, deverá o biógrafo guardar religioso silêncio. Opondo a sociedade, ou os órgãos representantes da sociedade, uma interdição tão feroz, é possível que o biógrafo, ainda que queira, não encontra documentos nem vestígios comprovativos. Apenas indirectamente é possível saber o que houve, sem falar já do que o biografado tenha feito e escrito no sentido de despistar futuras e póstumas pesquisas, ou até de se despistar a si próprio.

Nos casos de abstinência sexual, aquilo a que o biógrafo de boa vontade poderá chamar «castidade» ou «sublimação dos instintos», o mais que se pode afirmar é que não constem dos hábitos do biografado relações sexuais, quer com o mesmo quer com o sexo oposto. Isto não autoriza nem desautoriza a suspeita de inversão, que pode ser aliás puramente psíquica. Se não consta que tivesse práticas homossexuais, sabe-se todavia que as relações com mulheres, ou não existiram ou se frustraram. Além disso, quantas formas há de desviar factos para o poço sem fundo de equívocos tais como «amizade fraterna», «companheirismo», «camaraderie» e mesmo «amor platónico».

Regra geral, o diagnóstico é muito reservado e cifra-se nestes termos vagos: o vazio da obra do escritor X dever-se-ia ao facto de não haver mulheres na sua vida... A sua desgraça foi não poder fornicar. O não poder com F, entende-se em dois sentidos: por incapacidade do Sujeito analisado e pelas proibições postas ao amor ilícito ( de ordem legal, moral, etc). Ele talvez pudesse amar, tinha era medo. A sua solidão talvez não tivesse uma origem patogénica, incurável, irremediável. Simplesmente, o medo à condenação pública, o medo de infringir a moral e encarar as represálias, a auto-censura instalada, o «refoulement» de tendências pecaminosas e impulsos vergonhosos, a má língua pública, podem muito, podem tudo.

Não há dúvida que há um paralelismo muito evidente entre a vida sexual frustrada de alguns escritores e a atmosfera de Fracasso que a sua obra respira. Kafka, Kierkegaard, Proust, Fernando Pessoa, Sá Carneiro são casos bem conhecidos de abstenção sexual e simultaneamente consciências de uma frustração na consciência contemporânea.

Para o escritor, o problema de práticas de inversão põe-se com a acuidade que não se pões a outros artistas e ao homem comum. Escritor é, por fatalidade, o que publica, o que se torna público. Terá que fazer uso da sua experiência humana no que escreve. E publicar, tornar público práticas e vestígios de práticas tão inconvenientes e tão odiadas pela sociedade normal, é cair em desgraça. Aqui principia todo o processo de «refoulement» observado pelo psicanalista, de autocensura aos impulsos do instinto e da vontade, e no caso de «cair no mal», a lista dos remorsos, receios, a preocupação de ocultar as práticas viciosas, ou de não reincidir nelas.




Foto :
Andy Wharol

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