segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Luxuria - A Casa Dos Budas Ditosos


Luxuria - A Casa Dos Budas Ditosos
(João Ubaldo Ribeiro)





Tudo no mundo é secreto” eis a epígrafe e o autor na introdução vai logo dizendo que os originais são de autora baiana de 68 anos, que mora no Rio de Janeiro, e foi transposto a partir de “fitas gravadas”.
O título faz referência a um objeto: dois budazinhos que a narradora comprou em Banguecoque- “um macho e um fêmea” fazendo sexo ,essas coisas milenares de chinês.Havia um templo com imagens iguais a essas,chamado a Casa dos Budas Ditosos (da sorte) ,aonde os noivos iam para passar as mãos nos órgãos genitais delas.Era uma espécie de aprendizado ou familiarização,uma introdução ao casamento “bom de cama”. Em Roma antiga acariciava-se a glande de Príapo (que foi substituído por São Gonçalo,no nosso politeísmo católico).

Desde o início a narradora faz suspense dizendo que tem “essa doença que vai lhe matar”. Mas, afirma que “a perspectiva de ser enforcado amanhã de manhã opera maravilhas para a concentração”.O que a impulsiona neste depoimento “sociohistoricoliteropornô” (uma palavra só) para esse povo que nunca leu Chardelos de Laclos.

Memórias de uma libertina, poderia ser um subtítulo adequado a este romance. Ela é neta de “um nazista de nascença como todo alemão”. Ela transa de todas maneiras com machos e fêmeas.Seus “casos” formam o conteúdo do livro. A narradora também vai logo avisando que não gosta “de velho metido a alegre”.

Sexo oral,anal,manual,incestuoso,grupal e de várias outras maneiras vão quebrando um por um,ou muitos de uma vez, os tabus puritanos que tanto afligem o mundo ocidental. “Só fazíamos ,depois ele ia embora”, é por exemplo o que ela declara sobre um dos seus amantes.

A época da juventude(anos 50/60) dela foi de repressão, por isso pensou até em fazer operação que recuperasse sua “condição virginal”: “Tudo começou com um “meter de língua nas orelhas(...)apalpar,pinicar”, resume.

Algumas páginas são pretas com as letras em branco.Outras trazem ilustrações eróticas.Mas,o texto supera tudo isso: “sou contra essa teoria segundo a qual, os brasileiros têm belas bundas, e alimentam uma fixação patológica por bundas somente por causa dos africanos”.

Querendo justificar sua prática ela diz que Noé,da Bíblia, também teria cometido incesto. Ela quer ser “livre!Moderna”.É estéril e repete o que Nelson Rodrigues disse: `Se todo mundo soubesse da vida sexual de todo mundo,ninguém se dava com ninguém' . Ela ensina como ser penetrada por trás, sem dor, e diz que odeia essas pessoas que se acham “povo”.

“Ninguém neste mundo presta,muito menos eu (...) é bom que haja mistérios em nossas biografias” .Ela queria que a dela fosse como ela mesma era: “um maremoto de tesão latejante (...) como a Luxúria e seu chamado à devassidão,à dissipação e à entrega de todos os gozos de todos os matizes até chegar à morte lasciva (...) em um espírito imisericordioso e invencível (...) um sadismo light”.

Sobre o tio casado ela declara: “Cansei de ficar nua com ele correndo atrás de mim no quarto e eu fazendo pose de sílfide e falando parnasianamente, arcadicamente, romanticamente (...) sempre tive boas coxas e sei usá-las como órgão sexual”.

Sobre a escrita oficial, ela também não quer purezas: “Como se se pudesse pedir a um chinês para ele falar como se escreve(...) certas palavras nunca adquiriram passaporte para a escrita e, quando conseguem são condenadas à clandestinidade como fazem com gente (...) eu quero escrever um livro louco- libertar todas as palavras”.

Como disse o saudoso ator italiano Vittorio Gassman certa vez, a vida deveria ser duas; uma para ensaiar outra para viver a sério. Parece que nossa protagonista quer consertar esta falha divina .Em tudo ela quer exagero. Pênis para ela tem de ser grande.Em outro momento fala que nenhuma mulher sadia tem nojo de esperma e que o incesto é natural e que no início,quando não sabia que era estéril,já não queria ter filhos por não ter saco para crianças e ainda mais sem saber nem quem era o pai,pois fazia sexo demais.

Reafirma a teoria de que baiano só protege baiano.

A também exercita o expediente metalinguístico da “conversa com o leitor”: “Largue este texto e não perca seu tempo (...) quero que quem me ler fique com vontade de fazer sacanagem...”.

A doença dela,vai logo dizendo,não é câncer,doença do reprimido,da libido encarcerada,da falsidade extrema em relação à própria natureza: “As células traídas e frustradas então se rebelam,mandam emissários subversivos para todas as partes do corpo e geralmente vencem e destroem o organismo”.
São frases bombásticas: a vida é uma mentira,nem Cristo soube explicar o que era a verdade diante do Império Romano,ou, “pode-se estar apaixonado por duas ou mais pessoas ao mesmo tempo” e “Eu sou a voz de Deus (...) Satanás odeia a Luxúria,não é invenção dele,assim como a bondade.Ele só as usa para seus fins maléficos (...) Não quero reencarnar,acho essa obrigação um saco!”.

No final ela não se redime,ao contrário acelera o processo de catarse através de uma narrativa sacolejada : "Minha doença é um aneurisma no meio do cérebro,inoperável (...) já deixei instruções para doarem o que poder ser doado e tocarem fogo no resto (...) dormindo ou acordada,minha cabeça pode explodir em sangue”.

Não se considera uma pecadora católica: “Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer(...)Deus me terá em Sua Glória e sei que Ele agora está rindo”.

É uma narrativa de fôlego, convulsiva e sem diálogos. João Ubaldo atreveu-se a mergulhar na Luxúria e saiu de lá com um estranho sorriso nos lábios. E os seus leitores?



Autor: Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).

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