sábado, 19 de abril de 2008

Sardas

O indicador estava dolorido de tanto acionar o teclado do telefone, mas a busca de Hélio ainda não findara. Loira, cerca de 25 anos, pele branquinha e, importante, sardas. Sardas a salpicar o colo e as costas, feito ilhotas em um arquipélago de melanina. As sardas eram fundamentais. Outros detalhes eram secundários. Fernanda lhe revelara sua constelação de manchinhas no dia em que aparecera no escritório trajando um tomara-que-caia. Nunca soube ao certo se ficara obcecado pelo colo pigmentado de Fernanda ou se a ocasião tão somente apertara o gatilho da paixão.
Fernanda, colega de trabalho, mulher que Hélio julgava inconquistável devido a sua insignificância e nulidade como ser humano. Considerava-se um homem sem atrativos estéticos, financeiros, sujeito sem glórias, destituído de personalidade ou carisma. Um nada, um covarde. Um covarde que amava platonicamente.
Muitas garotas de programa interrompiam a ligação, creditando a Hélio taras inimagináveis, contudo, após exaustivas buscas, encontrou uma sardenta disposta a ser sua Fernanda. Chamava-se Amanda, certamente, nome de guerra.
As portas do elevador abriram-se no quinto andar de um fétido prédio na Barata Ribeiro, antigo 200. Hélio deslizou pelo corredor cujas intermináveis portas lhe presentearam com a sensação de Teseu no labirinto. Na 512, acionou a campainha. Uma loira miúda, corpo camuflado por um roupão amarelo, atendeu. Não tinha cara ou trejeitos de prostituta, pelo menos assim concluiu Hélio que estereotipava a velha profissão.
Amanda o convidou a entrar em uma quitinete microscópica onde mal cabiam a cama de casal e um armário de portas empenadas. Sugeriu que Hélio ficasse “à vontade” e, enquanto zanzava pelo quarto tagarelando sem parar, deixou cair cinematograficamente o roupão, revelando um corpo alvo, cândido, quase pueril. Lá estavam as sardas tão ambicionadas por Hélio. Sardas de Fernanda. Para Hélio, bastava.
A prostituta ajoelhou-se na cama ao lado de um Hélio que insistia em permanecer vestido. Desempenhado com maestria seu papel, ela abriu levemente as pernas, revelando uma boceta rosadinha, depilada, combinado com o rosáceo dos seios.
— Gosta?
— Sim... Você tem um vestido tomara-que-caia?
— Quer uma fantasia, hein? safado...
— Quero que você se fantasie de Fernanda.
Por algumas horas Hélio passeou de mãos dadas com Amanda, que se passava por Fernanda e levava na certidão o registro de Maria Cláudia. Andaram pela orla de Copacabana, tomaram sorvete num quiosque, viram o sol se pôr às costas da Ponta do Arpoador, visitaram a feira hippie. Amanda/Fernanda/Maria Cláudia estava encantadora em seu vestidinho. O homem realizou naquele fim de tarde, princípio de noite, o sonho de namorar seu simulacro de Fernanda, ainda que pagasse por isto.
Mas ao chegar a portaria do antigo 200, Hélio percebeu que não mais amava Fernanda, não dera a mínima para a boceta rosada de Amanda e se apaixonara por Maria Cláudia.
O encanto foi quebrado por uma mão estendida, cobrando o combinado pelo programa. Pagou o prometido, virou as costas para a Amanda profissional do sexo sem sexo e quase percebeu sua voz a debochar.
— Tolo...

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Néon


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