quarta-feira, 9 de abril de 2008

Flat - Juliano Guerra Pereira / Escritor Convidado


Flat


Respirações ofegantes, gemidos. Escuro, aqui. Ouço o som conhecido de uma cama rangendo, gritos entrecortados que vão se tornando mais agudos. Algumas palavras murmuradas na súbita calmaria. O abandono, posso ouvir os egos feridos se arrastando um pra cada canto do colchão.


Lanço os punhos contra a madeira dura – “Quero sair!”, bobagem. Escuro, aqui. Ouço a porta se abrindo e fechando, devagar, depois o som do chuveiro sendo ligado. Isso dura pouco tempo, daqui não dá pra saber quanto. Conto até quarenta e sete. A porta se abrindo, passos fortes, imagino um búfalo entrando, ela solta um gritinho rouco. Ouço a cama cedendo ao peso dos dois, com alarde.


Esse gosta de dizer palavrões, de dar ordens, também. “Tira essa calcinha”, ele diz. “Vem cá, sua puta, vem me chupar, vem”. Ouço os gemidos abafados dela, aquele “hm” que se faz quando o sorvete está bom. Ele pragueja o tempo todo: “Vai, piranha”, “Porra, é isso, é isso”. “Fica de quatro”. A cama se adaptando, a cama se adaptando o dia todo. O som da carne contra carne, cada vez mais rápido. Urros graves como os de um boi ferido vão se acelerando até resultarem num só, longo. Ela não fez som algum, nada.


No escuro, vejo as formas dela. Como deve ser, cria de Afrodite. Imagino-me sobre ela, seus seios alvos na minha boca. Ela me pedindo coisas: “Isso, agora tu quer me comer por trás?”. Eu relutante, ela implorando: “Por favor, come a minha bunda”. É assim toda noite, no escuro.


Súbito, o som inconfundível de um tapa. Um grito. “Seu filho da puta!”. Encolho as pernas rápido, me concentro para ouvir melhor. Mais tapas, depois um som duro. Ouço o baque surdo de um corpo contra o chão. O corpo dela contra o chão. Alguém cuspiu. O som da carne contra a carne, cada vez mais rápido. O urro de boi, asqueroso. Então um choro, baixinho. A porta batendo. O choro.


Abro a porta do armário embutido, acendo a luz, pego alguma coisa pra comer. Mais tarde volto pra escutar um pouco. Mas ela vai sobreviver. Isso acontece de vez em quando. É assim desde que eu me mudei.

7 comentários:

  1. agora conta pra nós o que é que vc tava fazendo com aquele cabide no rabo?

    E amasou todas as roupas ou deu uma engomada?

    Tá bom, vai o texto ta sacanamente legal!

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  2. "O abandono, posso ouvir os egos feridos se arrastando um pra cada canto do colchão."


    a idéia da cama se adaptando eternamente ao que acontece nela,de urros,"cria de Afrodite",a queda,o choro e a sobrevivência

    interessante isso tudo

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  3. escrita fina descrevendo uma foda grossa.

    massa!

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  4. pode crê, um pouco de sentimento na narração de sexo forte, gostei.

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  5. e tem uma carga d putaria taum loquaz =) conto bom

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  6. Esse é um dos melhores, com certeza. Massa! Bem escrito. Bom final.

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Néon


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