quarta-feira, 2 de abril de 2008

Orlando II

Desde os seus dezesseis anos tinha esse costume, suas quintas eram recheadas de prazeres profanos, punia-se por ter essa vida dupla, lembrava-se da primeira vez que ouvira: “seja homem, seja homem!” - e das outras tantas, da família, da sociedade, mas não conseguia se afastar daquela perversão.
Por muitas vezes sua mãe lhe perguntara onde passava aquelas horas e depois veio Lidiane, que tentava prendê-lo nas quintas, talvez pela insegurança, por pensar que haviam outras mulheres. Pobrezinha, ingênua, presa em sua debilidade e religião. Ela cheirava jasmim, e se entregava por inteiro, sem cobrar nada mais que fidelidade.
Já as docas eram mal cheirosas e sujas, aqueles homens eram a escória, ladrões, bêbados, drogados, cafetões e patifes, queriam mais do que ele podia dar e mesmo assim apetecia-lhe fazer parte daquele cenário. Quando descia próximo aos trapiches, o odor do pescado e da maresia faziam arder as narinas, eriçar os pêlos todos, cada dia um homem diferente, cada dia um prazer inigualável.
As meia calças rasgadas, o cigarro jogado no canto fino da boca masculina pintada, o jeito quase desengonçado de andar naqueles sapatos baratos, o afastar das pernas, o penetrar sem cuidado e incessante, tudo o inebriava, tudo conduzia ao gozo único.
Quando o sexo terminava, eles tentavam esboçar um sorriso, mas o que lhes interessava eram os espólios do gozo remido. Será que gostavam de ser tocados? Ou faziam pelo dinheiro?
Por vezes não transava com eles, apenas pagava para ouvir o que os afligia, o que os afetava, e o que os excitava.
Orlando era uma boa alma, dava conforto aos que o procuravam, seu sexo era bom, e era um amigo nas horas difíceis, o único defeito dele era se esconder, e se escondia tão bem que o chamavam de “O fantasma”, não pedia ajuda, não falava de si, apenas ouvia, aconselhava e se servia. Sua fama pelas docas se espalhou e por vezes apareciam homens que o queriam apenas por prazer, recusavam-se a receber uma moeda sequer.
A única lei era não mostrar seu rosto, ou falar de si mesmo. Nos últimos dois anos, seus parceiros eram quase uma constante.
Le Petit, que deixou sua vida estável, mulher e filho para viver nos prostíbulos próximos ao porto. Pâmela, que sustentava homens jovens para seu bel prazer. Nina, que apanhava de bêbados e os curava de seus desesperos. Seu preferido era Narciso, o mais jovens, até se parecia com ele quando começara a freqüentar aquele lugar, menino perigoso, subversivo, queria ver-se nos olhos de seus amantes. Fora advertido e ameaçado por Orlando várias vezes, por tentar quebrar a única regra estabelecida.
Numa dessas noites de quinta, o rapaz conseguiu retirar seu amante das sombras e ao ver-se indefeso e exposto, num ato quase involuntário, Orlando retira uma navalha no bolso traseiro da calça, a lâmina brilha e Narciso não tira os olhos dos olhos dele, parecendo não temer o corte e em um só golpe, Orlando castra-se ainda ereto dentro de seu inocente amante.
Cai depois do ato e desfalece, todos os seus amantes se poem em volta de seu corpo, ele ainda respira, quando a ambulância chega ao local. De alguma forma salvaram Orlando, que não pode ter seu órgão transplantado, e que de alguma forma, se sentiu aliviado por isso.

5 comentários:

  1. forte. mui forte. incisivo. preciso. lancetas. lembrei das lancetas da peste, não sei bem porquê.


    sei que gostei das imagens que se formaram em minha mente torpe e entorpecida. só isso que sei.

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  2. lembrei do "Orlando", o livro, onde ela se transforma em homem.

    esse reverso bandido ficou excelente.

    gostei também da mistura com a mitologica história de Amor(acho é Eros e Psiquê), onde ele não deixa a esposa ver seu rosto e quando ela , num gesto traiçoeiro o vê, ele se vai.


    gostei!!

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  3. "Orlando castra-se ainda ereto dentro de seu inocente amante."

    Que cena!
    Excelente continuação!

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  4. Fla, no livro de Woolf ele nos é apresentado homem, e o livro termna com ele mulher. Especula-se o fato dela(Woolf) ter falado de androgenia, ou simplesmente de alguém que busca o amor.
    E sim, inspirei-me em Woolf, mas com influências Baudelairianas (a história ocorre na maior parte do tempo no porto) e coloquei-a em nossos tempos.
    Espero ter alcançado algo.

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Néon


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