domingo, 20 de setembro de 2009

Cada um com suas razões

Confiava no som daquelas batidas. Diziam-me o quanto de sanidade ainda restava. Em parte, a culpa não deixava de ser minha, mas somente em parte. 40 anos de cobranças formavam não mais um peso nas costas, algo mais como uma casca, uma crosta - uma carapaça. 40 anos vivendo como um homem-besouro. Advogado, meus pais quiseram; acatei. Casado, a namorada da faculdade exigiu; sim. Emprego, chefe, filhos, a piscina, a casa de praia, as viagens pra Europa, todos amarrados em minha carapaça, formadores do exoesqueleto eu.
Numa noite, sem pretensão, alguma redenção. A estagiária ficara até mais tarde, disse querer se empenhar, mostrar o quanto se dedicava ao escritório. Perguntei-me por que a cinta-liga, por que a lingerie provocante, mas não precisava de respostas. Ela me engoliu com suas coxas vivas, com seus lábios de novidade, com a fecundidade do ventre. Livrei-me da esposa todas as terças e quintas feiras por 3 meses; a esteticista, o personal trainer, as aulas de yoga - o polimento das vestes do besouro - paguei-os com mais bom humor naqueles 90 dias.
Mas a ilusão se desfez e logo ganhei uma amante, outro compromisso, mais do que se livrar. Não foi difícil me livrar, entretanto, daquele peso. Rolei-a para o Pedro, outro sócio, que lhe passou a tomar conta. Sucedeu-me, uma a uma, estagiárias, secretárias - jovens, bonitas, velhas, nem tão bonitas - e o todo daquela somatória não retirava das costas a carapaça, não liberava o homem do besouro.
Como mágica, certo dia, chegou-me à mesa um cartão. O nome de uma mulher, em letras góticas, um telefone e nada mais. Fingi amassar, com cuidado, aquele cartão. Com o mesmo cuidado, joguei-o na segunda gaveta, ao invés de derrubá-lo na lixeira. A curiosidade me venceu, em 3 dias.
Sim. Eu confiava no som daquelas batidas, também confiava na textura da corda que me amarrava o escroto, os pulsos e me ligava àquela mulher. Naqueles dois dias que dedicava a Madame Selena, as vestes de besouro me eram arrancadas na varinha, às vezes com um pouco de sangue, a temperar o todo. Dois dias em que, sem carapaças, sem esposa, trabalho, filhos e o mundo, podia ser somente eu.

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Néon


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