quinta-feira, 18 de junho de 2009

Vampiro tupiniquim- Lucia Czer




Na escuridão da rua de calçamento rústico, ouvia-se somente o barulho dos saltos dos sapatos rotos da mulher. Era um vulto esquálido e bamboleante, caminhando a esmo debaixo da chuva fina e constante, sob a claridade quase nula dos poucos postes de iluminação da cidadezinha.
A mulher mal passara dos trinta, mas a aparência mostrava bem os maus tratos que a vida lhe impunha.

Mal agasalhada, saia curta mostrando as pernas finas e titubeantes, cabelos sem viço e sem corte, somente os olhos destacavam-se na palidez do rosto encovado...
Entre um espasmo e outro, com uma tosse convulsiva, vez em quando levava à boca um trapo para secar o fio de sangue que escorria no canto da boca.

Encurvava-se para diminuir a dor lancinante na boca do estômago que parecia clamar por uma refeição. O frio fazia-lhe tremer os ombros e ela encolhia-se na vã tentativa de encontrar em si mesma algum calor.
Edileuza saíra do interior aos quatorze anos, depois de ter sido objeto de troca entre o pai alcoólatra e um plantador de cana, velho rico que comandava tudo e todos no lugarejo. O pai recebera uma leitoa e uma cabra em troca da filha ainda na puberdade. Fora colocada num galpão da fazenda junto com outras meninas, de mesma idade e mesma situação. O velho broxa alisava o pau minúsculo enquanto esperava gozar vendo as meninas mijarem-se perna a baixo após as pancadas vigorosas do relho com que as agredia.

Ela tivera a sorte de encontrar Jonas, um crioulo bóia fria, fugitivo da polícia do sul, que fora trabalhar em regime quase de escravidão colhendo cana na propriedade do “coronel”. Com ele perdera o cabaço às escondidas do velho, sobre uns pelegos no celeiro.

Uma noite, Jonas encilhou um cavalo, pegou um naco de pão feito em casa e, ajudando Edileuza a subir na garupa, esporeou a montaria até ver-se distante daquela servidão. Não o fizera por bondade, fizera-o pensando em amenizar as penúrias da viagem. Morreu de uma facada num bar de beira de estrada por trapacear no jogo de truco. Edileuza, sozinha, não teve outra saída a não ser albergar-se com o dono do bolicho, até ser expulsa pela patroa, coroa gorda de buço preto, que já desconfiava das malandrices do marido. Deu Edileuza, após muitas caminhadas, na cidade onde seguidamente aportavam navios e aí havia marinheiros e turistas a pagar-lhe uns trocados em recompensa pela transa fácil. Virara “Isa”, passava de mão em mão, de bordel em bordel. Coração seco, nunca conheceu o amor.

Com o tempo, foi perdendo os clientes e viu-se morando na rua, nas calçadas, sem cobertas e sem comida. Vivendo quase à míngua, recebia vez ou outra umas moedas que algum mandrião pagava por uma chupada rápida ou uma trepada de roupa e tudo atrás de alguma esquina.

Vergil estava a passeio pelo Brasil. Vira-se de repente na necessidade de correr mundo e embarcara num cruzeiro vindo da Europa. Conhecedor de vários idiomas, não se apertava fora de seu país de origem. Bonito e bem vestido, ninguém desconfiaria de seus hábitos pouco usuais. Resolvera sair às pressas do navio ao descobrirem uma das camareiras, morta, quase exangue, num dos camarotes. A polícia pouca importância deu ao fato, afinal, tratava-se apenas de uma empregada.
Acabara na pequena cidadezinha portuária e agora saía à caça para satisfazer seus instintos.
Viu a figura de mulher que, de tão franzina, parecia uma menina. Foi-lhe no encalço.
Isa percebendo que estava sendo seguida teve um laivo de esperança. Com sorte, talvez um jantar quente ou um quarto de albergue...
O dândi alcançou-a, agarrou-a com uma violência inusitada e, arrastando-a para um beco ainda mais escuro, aplicou-lhe os dentes no pescoço...

Eram quase onze da manhã, quando Vergil resolveu levantar da cama. A camareira do hotel já havia deixado sobre a mesa da suíte, um exemplar do único jornal da cidade. Ele passou os olhos não pretendendo dar-se ao trabalho de traduzir o noticiário. Ia já abandonando as folhas quando a foto na primeira página fez com que se debruçasse atentamente sobre ela. Lá estava a mulher da noite anterior. Não sem dificuldade, leu:
“Morreu durante a madrugada, a prostituta de nome Edileuza Pereira, provavelmente vitimada pela AIDS...”
Vergil nem conseguiu prosseguir na leitura... Ficou zonzo, sentiu como se tivesse levado um soco no pomo de adão. Aturdido, caiu prostrado... Merda! Era só o que faltava, sair da Europa, vir socar-se nessa terra de tacanhos e ignorantes e, além de vampiro, agora aidético...

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