Desde os seus dezesseis anos tinha esse costume, suas quintas eram recheadas de prazeres profanos, punia-se por ter essa vida dupla, lembrava-se da primeira vez que ouvira: “seja homem, seja homem!” - e das outras tantas, da família, da sociedade, mas não conseguia se afastar daquela perversão.
Por muitas vezes sua mãe lhe perguntara onde passava aquelas horas e depois veio Lidiane, que tentava prendê-lo nas quintas, talvez pela insegurança, por pensar que haviam outras mulheres. Pobrezinha, ingênua, presa em sua debilidade e religião. Ela cheirava jasmim, e se entregava por inteiro, sem cobrar nada mais que fidelidade.
Já as docas eram mal cheirosas e sujas, aqueles homens eram a escória, ladrões, bêbados, drogados, cafetões e patifes, queriam mais do que ele podia dar e mesmo assim apetecia-lhe fazer parte daquele cenário. Quando descia próximo aos trapiches, o odor do pescado e da maresia faziam arder as narinas, eriçar os pêlos todos, cada dia um homem diferente, cada dia um prazer inigualável.
As meia calças rasgadas, o cigarro jogado no canto fino da boca masculina pintada, o jeito quase desengonçado de andar naqueles sapatos baratos, o afastar das pernas, o penetrar sem cuidado e incessante, tudo o inebriava, tudo conduzia ao gozo único.
Quando o sexo terminava, eles tentavam esboçar um sorriso, mas o que lhes interessava eram os espólios do gozo remido. Será que gostavam de ser tocados? Ou faziam pelo dinheiro?
Por vezes não transava com eles, apenas pagava para ouvir o que os afligia, o que os afetava, e o que os excitava.
Orlando era uma boa alma, dava conforto aos que o procuravam, seu sexo era bom, e era um amigo nas horas difíceis, o único defeito dele era se esconder, e se escondia tão bem que o chamavam de “O fantasma”, não pedia ajuda, não falava de si, apenas ouvia, aconselhava e se servia. Sua fama pelas docas se espalhou e por vezes apareciam homens que o queriam apenas por prazer, recusavam-se a receber uma moeda sequer.
A única lei era não mostrar seu rosto, ou falar de si mesmo. Nos últimos dois anos, seus parceiros eram quase uma constante.
Le Petit, que deixou sua vida estável, mulher e filho para viver nos prostíbulos próximos ao porto. Pâmela, que sustentava homens jovens para seu bel prazer. Nina, que apanhava de bêbados e os curava de seus desesperos. Seu preferido era Narciso, o mais jovens, até se parecia com ele quando começara a freqüentar aquele lugar, menino perigoso, subversivo, queria ver-se nos olhos de seus amantes. Fora advertido e ameaçado por Orlando várias vezes, por tentar quebrar a única regra estabelecida.
Numa dessas noites de quinta, o rapaz conseguiu retirar seu amante das sombras e ao ver-se indefeso e exposto, num ato quase involuntário, Orlando retira uma navalha no bolso traseiro da calça, a lâmina brilha e Narciso não tira os olhos dos olhos dele, parecendo não temer o corte e em um só golpe, Orlando castra-se ainda ereto dentro de seu inocente amante.
Cai depois do ato e desfalece, todos os seus amantes se poem em volta de seu corpo, ele ainda respira, quando a ambulância chega ao local. De alguma forma salvaram Orlando, que não pode ter seu órgão transplantado, e que de alguma forma, se sentiu aliviado por isso.
achei esse laconico
ResponderExcluirforte. mui forte. incisivo. preciso. lancetas. lembrei das lancetas da peste, não sei bem porquê.
ResponderExcluirsei que gostei das imagens que se formaram em minha mente torpe e entorpecida. só isso que sei.
lembrei do "Orlando", o livro, onde ela se transforma em homem.
ResponderExcluiresse reverso bandido ficou excelente.
gostei também da mistura com a mitologica história de Amor(acho é Eros e Psiquê), onde ele não deixa a esposa ver seu rosto e quando ela , num gesto traiçoeiro o vê, ele se vai.
gostei!!
"Orlando castra-se ainda ereto dentro de seu inocente amante."
ResponderExcluirQue cena!
Excelente continuação!
Fla, no livro de Woolf ele nos é apresentado homem, e o livro termna com ele mulher. Especula-se o fato dela(Woolf) ter falado de androgenia, ou simplesmente de alguém que busca o amor.
ResponderExcluirE sim, inspirei-me em Woolf, mas com influências Baudelairianas (a história ocorre na maior parte do tempo no porto) e coloquei-a em nossos tempos.
Espero ter alcançado algo.